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No coração de Nova Lima, no bairro que leva seu nome, ergue-se a Igreja do Senhor do Bonfim — um monumento cuja presença discreta oculta uma riqueza histórica. É ao mesmo tempo, relíquia e farol espiritual, testemunha pétrea de mais de três séculos de história. Sua presença se impõe como um eixo de memória, um ponto cardeal onde fé, arte e identidade se cruzam.
Fundada, provavelmente em 1720, esta capela setecentista transcende o simples papel de espaço de culto: é um repositório vivo da memória, testemunhando as complexas transições sociais, econômicas e culturais que transformaram os Campos de Congonhas em uma cidade contemporânea.
A história do município, porém, remonta ao final do século XVII, quando o bandeirante paulista Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, seguindo os riachos de Cardoso e Cristais, adentra estas terras em busca do ouro que sussurrava sob o solo. Era tradição entre os bandeirantes erguerem uma capela em honra ao santo de sua devoção ao se estabelecerem em novas terras ou ao descobrirem jazidas preciosas. Devoto fervoroso de Nosso Senhor do Bonfim, Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, ao encontrar ouro na região, mandou erguer, primeiro em taipa, a primeira capela do futuro município, dedicada ao Senhor do Bonfim. Este gesto pioneiro assinalou o início do povoado e conferiu identidade ao território: o bairro Bonfim perpetua o nome da igreja, tornando-a referência geográfica e espiritual.
A devoção ao Senhor do Bonfim traz consigo uma densidade cultural que transcende geografias. Originada na Península Ibérica e imortalizada nas ladeiras da Bahia, essa invocação de Cristo crucificado alcançou Minas Gerais junto com o ouro e os sonhos de prosperidade. No imaginário popular, o Bonfim é guardião e benfeitor, aquele que intercede, protege e abençoa. Aqui, sua imagem entronizada no altar-mor é promessa, é confidência silenciosa, é pacto íntimo entre comunidade e divindade.
A edificação atual é tradicionalmente atribuída às mãos dos primeiros colonos mineradores e trabalhadores escravizados, cujo esforço e devoção resultaram nas robustas paredes de pedra que resistem ao tempo. Este caráter comunitário confere à obra uma dimensão simbólica da formação de identidade em uma sociedade nascente.
A volumetria da igreja, típica das primeiras capelas mineiras, é marcada por sua simplicidade funcional, suavemente enobrecida por detalhes barrocos. A fachada, despojada e elegante, abre-se para o adro de onde se avista o casario vizinho, lembrando que, aqui, a fé sempre esteve no centro da vida urbana. O arco do cruzeiro, ponto de destaque arquitetônico, ostenta inscrições que provavelmente indicam a data original da construção (1720) e da grande reforma (1940), funcionando como assinatura temporal da obra e lembrando que cada pedra foi testemunha de gerações que ali passaram. Mas é ao atravessar as portas que o visitante é transportado no tempo, como um portal sensorial: o aroma levemente resinoso da madeira encerada, o som abafado dos passos sobre o piso, e a luz filtrada pelas janelas laterais distribuídas com simetria pousa, com precisão quase coreografada sobre o altar herdado da Matriz de Nossa Senhora do Pilar em 1950, impondo presença e conferindo solenidade ao espaço. Uma atmosfera quase cinematográfica!
Cada talha em madeira, cada ornamento e cada imagem são testemunhos de uma religiosidade que dialoga com a estética e a arte.
Além de seu valor religioso e artístico, a Igreja do Senhor do Bonfim é resguardada por legislações municipais, reconhecendo sua relevância histórica e cultural. O Decreto nº 1853, de 04 de abril de 2002, oficializa o tombamento municipal da capela, garantindo medidas de preservação e impedindo intervenções que comprometam sua integridade arquitetônica e patrimonial. Tal proteção reafirma a importância da igreja como espaço de culto e como patrimônio público e memória coletiva.
A Igreja do Senhor do Bonfim é testemunhas silenciosa de que o tempo é, simultaneamente, mestre e escultor: ensina sem palavras, molda sem pressa e revela que a eternidade se manifesta na simplicidade de uma capela de pedra, na devoção de corações nova-limenses e no legado daqueles que transformaram fé em pedra e memória em cidade.
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