26/nov

Por que acreditamos em mentiras? Psicólogos explicam o que está por trás das Fake News

Um dos motivos pelos quais as notícias falsas se espalham é o fato de muita gente estar disposta a acreditar nelas. A visão de mundo de cada um pode embaralhar as diferenças entre o real e irreal, criando um ambiente fértil para a disseminação de mentiras. Alguns mecanismos psicológicos estão na origem desse fenômeno, entre eles o realismo ingênuo e o viés de confirmação.

realismo ingênuo é a crença de que nossa percepção da realidade é a única visão correta, e que as pessoas que discordam de nós são desinformadas, irracionais ou tendenciosas.

“O sujeito ingenuamente acredita que a realidade é isso que está diante dele, sem considerar que a percepção dele do mundo distorce a realidade”, explica Fernanda Hamann, doutora em psicologia. “O contrário disso seria o realismo científico”, completa.

“René Descartes, na virada do século XVI para o século XVII, já pensava sobre a ideia de que nossos sentidos nos enganam”, diz Fernanda. Por isso, ele começou a buscar um modo mais confiável de entrar em contato com o real, propondo a matematização do pensamento como forma de chegar a uma realidade mais exata.

Suas propostas deram origem ao método científico, que consiste em um conjunto de regras que visam alcançar respostas lógicas e eliminar ao máximo a subjetividade.

“Quando falamos de realismo ingênuo, estamos falando de uma forma de encarar a realidade que não é científica”, explica a doutora.

Já o viés de confirmação consiste na ideia de que somos motivados a acreditar no que costuma confirmar as nossas opiniões. Assim, uma vez que formamos uma visão, adotamos informações que confirmam esse determinado ponto de vista, ignorando ou rejeitando informações que desafiem nossas ideias.

“É como se o ser humano quisesse sempre ter certeza de alguma coisa. Ele já tem concepções prévias e vai estar muito mais inclinado a reforçar essas concepções prévias a mudar de ideia”, afirma Fernanda.

Tanto o realismo ingênuo quanto o viés de confirmação claramente são elementos que alimentam a propagação de fake news“, diz a psicanalista.

E o que se pode fazer para não cair nessas armadilhas? “É você ao menos se colocar a hipótese dessa notícia não ser verdadeira. É você ter métodos para desconfiar que essa notícia pode ser falsa. Existem agências que fazem isso e procuram ter métodos rigorosos de checagem”, exemplifica.

Fernanda também salienta a influência do narcisismo nesses mecanismos. “Para a psicanálise, quanto mais narcisista o sujeito é, mais ele vai tender a essa posição de querer confirmar seus ideais”, diz.

As “bolhas sociais” (ambientes principalmente virtuais nos quais as pessoas só interagem com quem pensa de forma semelhante a elas) também estão relacionadas a esses mecanismos psicológicos. “Os algoritmos têm um importante papel na formação das bolhas, porque eles têm esse trabalho de confirmar o que o sujeito esperaria ver”, diz Fernanda.

“Falta no ambiente virtual o encontro com o outro, que para a psicanálise é determinante na formação ética do sujeito, porque é só diante do outro que a gente vai também colocar limites ao nosso próprio narcisismo”, completa.

E qual seria a melhor forma de evitar que as pessoas sejam influenciadas pelo viés de confirmação e pelo realismo ingênuo? “Eu acredito numa educação voltada para o respeito ao outro, não só teoricamente, mas na prática”, diz Fernanda.

Ela também sublinha a importância de uma educação que aborde a interpretação da mídia. “Uma educação que ensine as crianças que elas precisam filtrar o que se recebe como notícia”, explica. Além disso, ela reforça que o contato com a arte pode ser crucial.

“Quanto mais a gente vive a arte, lê um romance, vê uma exposição, mais vai se encontrando com outras formas de estar no mundo, que não necessariamente vão confirmar as nossas, que às vezes vão causar estranhamento”.

Por último, Fernanda destaca o papel da ciência. “O mundo contemporâneo tem assistido a uma coisa meio retrógrada, meio obscurantista, de negar a ciência, de colocar a religião acima da ciência.

Eu acho isso muito preocupante, a gente vê as consequências disso em um momento de pandemia, então é importante o investimento na ciência. Nem sempre o realismo científico vai trazer o que é mais agradável para nós, mas é importante procurar uma verdade que está além do nosso próprio narcisismo”, finaliza.

O Canal The History Channel Brasil promove uma serie sobre como isto impacta nossa vida;

“Jornalista investiga como a Inteligência Artificial impacta as eleições presidenciais no Brasil. O filme vai mostrar as frentes de resistência do universo digital no monitoramento e interceptação de desinformação, notícias falsas e uso de robôs (bots) para proteger o processo democrático das eleições brasileiras em 2018 de danos colaterais.”

 

Comerciantes da dúvida

O sentimento de incerteza, de polêmica e de que os cientistas não conseguem decidir também são armas na disseminação de controvérsias que levam à indefinição ou ao atraso político. “Você não precisa mentir. É suficiente você diluir a atenção das pessoas sobre o problema, para mostrar que não é tão importante. E construir controvérsia em cima da controvérsia cria uma incerteza falsamente científica”, explicou Castelfranchi.

O professor Yurij Castelfranchi do Departamento de Sociologia da UFMG apresentou a estratégia adotada por anos pela indústria do tabaco, com financiamento a pesquisas sobre o câncer, originado por fatores diversos ao cigarro, e pagamento a jornalistas para publicar os resultados. São medidas relacionadas a:

Produção enviesada – mostram apenas evidências contra uma teoria. Por exemplo, focar nos poucos artigos existentes que negam a relação entre cigarro e aumento do risco de câncer.

Compartilhamento seletivo – mostram outros fenômenos que diluem os fatos ou distraem. Por exemplo, publicar artigos sobre câncer de pulmão relacionado a amianto ou poluição atmosférica.

Fatos e artefatos

Segundo Castelfranchi, pode-se definir as mentiras em três categorias:

Mentiras egoístas – Aquelas que usamos para negar, explicar ou justificar ações próprias, e que aprendemos a partir dos três anos de idade;

Mentiras altruístas – Mentiras feitas para não decepcionar o outro;

Mentiras azuis – São simultaneamente egoístas e altruístas. Não são usadas para defender a si mesmo, mas um grupo – às vezes se comprometendo, outras comprometendo o outro, um fator externo.

“Tem algo muito interessante por trás das mentiras, que não é sobre a verdade ou a não verdade, mas sobre como elas funcionam na esfera social”, comentou o professor. Ele explica que se uma mentira coloca a pessoa em uma boa posição no grupo ao qual pertence, mesmo se ela for desmascarada, ela não é negada.

Assim, as pessoas não compram uma mentira por ignorância, mas em função de como ela fortalece a convicção de estar certo. Para Castelfranchi, “as pessoas não mudam de ideia, mas se posicionam contra quem aponta a mentira. Elas têm um efeito de coesão social tão forte que não adianta mostrar que a pessoa está errada”.

O efeito desse comportamento nas redes sociais, é que as bolhas nas quais os indivíduos se inserem amplificam esse tipo de sentimento e o ódio ao outro. E, da mesma forma, se uma informação vem de uma fonte que é desacreditada por um grupo, ela não é lida como válida. “É um funcionamento bastante ampliado. As nossas crenças precisam ser alimentadas, seja por fatos ou artefatos”, afirmou.

Por Redação Jornal Minas

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